O impacto de estrear o primeiro longa no Festival de Brasília

Sertão de Alagoas, meados de 1995. Sob o sol escaldante da caatinga, um jovem cineasta e sua equipe contemplam, no distante céu azul fortemente anil, próximo à região de Piranhas, o voo solitário de um avião. Era o intervalo das filmagens da clássica história entre mocinho e bandido, travada em pleno coração agreste. Mal sabiam eles que, em pouco menos de um ano, todos embarcariam naquele “big jato” rumo ao Planalto Central.

Tal qual o bando de cangaceiros bandoleiros retratados na trama, tomariam de assalto a 29ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, com o filme Baile Perfumado, um marco da retomada do cinema no Brasil. Esse ano de 1996, considerado histórico pela qualidade e programação, teve a gestão de Silvio Tendler, na época, secretário de Cultura e Esportes. Hoje, o premiado cineasta é o curador do 53º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que será realizado entre 15 a 20 de dezembro, no Canal Brasil e no streaming Brasil Play.

“Virou uma mania nossa ficar vendo, no céu, os riscos desse avião, ali, na beira do Rio São Francisco”, lembra hoje, com alegria, Lírio Ferreira, codiretor do projeto, junto com o amigo Paulo Caldas. “Fomos selecionados para o Festival de Brasília e, no voo, olhando da janela lá embaixo a represa de Xingó e o Rio São Francisco, tive o insight. Aquele avião que a gente via cruzar o céu da caatinga, durante as filmagens, era o mesmo que nos levava para Brasília. “Bateu uma energia boa, sentíamos que alguma coisa aconteceria no Festival de Brasília”, contou.

Lampião e Abraão

E aconteceu. Com narrativa permeada pelo encontro real entre o bando de Lampião e o mascate libanês Benjamim Abraão – responsável pelos únicos registros audiovisuais dos cangaceiros, no sertão nordestino nos anos de 1920 -, o projeto se consagraria, em 1996, como o melhor filme da respeitada mostra.

“Terminamos de filmar muito perto do Festival, a lata chegou quente em Brasília. E foi incrível porque não imaginávamos que teria a repercussão que teve, foi muito significativo em vários sentidos”, volta no tempo Lírio, mencionando o fato de que Baile Perfumado quebraria um hiato de 20 anos sem a realização de um longa-metragem em Pernambuco. “A premiação do filme em Brasília foi uma surpresa imensa, tínhamos acabado de fazer a primeira cópia e ele nunca tinha sido exibido para o público”, conta Paulo Caldas.

É verdade. Prova disso, foi o sucesso arrebatador do colega conterrâneo Cláudio Assis, três vezes campeão com o Candango de melhor filme na competição. O primeiro troféu conquistado seria em 2002, com o impactante Amarelo Manga. “Ah, ganhar em Brasília, com meu longa-metragem de estreia, foi sensacional, inacreditável, lavou a alma, fiquei muito feliz”, recorda o cineasta pernambucano, quase 20 anos depois daquela 35ª mostra.

O cineasta está presente no evento desde 1987, quando exibiu o curta-metragem Henrique?, sinalizando rumo à retomada do cinema nacional. Com seu estilo visceral e sincero, Cláudio Assis levaria ainda os prêmios de Melhor Filme em 2006, com Baixio das Bestas e em 2015, com Big Jato. Para o diretor, participar do festival que o consagrou é sempre uma honra e um prazer. “É uma coisa corriqueira na minha vida, é um festival que sempre prezo para participar, faço questão de defender meus filmes de defender o próprio festival”, diz o realizador, que trabalha no momento em Gigante Pela Própria Natureza, filmado só com anões.

Certidão de batismo

Filha do cineasta Jorge Bodanzky, Laís revisita suas memórias de pré-adolescente para falar do festival de cinema mais importante do país. Com apenas 11 anos em 1980, viu, junto com o pai, a sessão triunfante de Iracema – Uma Transa Amazônica, desde seu lançamento, em 1975, censurado pela ditadura vigente. “Teve a anistia e o Festival de Brasília exibiu o filme. Foi uma participação importante, que povoou meu imaginário, com certeza, sobre a relevância do evento”, rebobina no tempo Laís Bodanzky. “Voltar lá depois com Bicho de Sete Cabeças era, assim, uma grande conquista”, acrescenta a cineasta, que sentiu, na pele, as boas e imprevisíveis vibrações da mostra em 2000.

Seria sua estreia no Festival de Brasília, como realizadora de longa-metragem de ficção, marcando o retorno ao evento seis anos após sua primeira participação, em 1994, com o curta-metragem Cartão Vermelho. Na densa trama baseada no livro Canto dos Malditos, as dramáticas situações de abuso nos hospitais psiquiátricos são entremeadas pela questão das drogas e conflitos de gerações.

Um enredo de tirar o fôlego, protagonizado pelo então jovem ator Rodrigo Santoro, que incomodou, de forma furiosa, o contestador público do festival no Cine Brasília. Experiência que, para o bem ou para o mal, marcaria Laís Bodanzky, para sempre.

Laís recorda que a plateia, sempre politizada e participativa, começou a vaiar Rodrigo Santoro quando o convidou para falar. “Era uma vaia direcionada ao ‘ator galã da Globo’, e percebemos que não tínhamos espaço para falar, então descemos do palco, e as vaias continuaram nos primeiros cinco minutos de projeção. Mas, aos poucos, as pessoas foram se calando e assistiram ao filme inteiro em silêncio”, relembra a diretora.

A consagradora redenção viria no final da exibição de Bicho de Sete Cabeças. E bem ao estilo do Festival de Brasília, ou seja, de forma surpreendente e emocionante. “A plateia ovacionou o filme num nível tão grande quanto a vaia. Na hora de ir embora, algumas pessoas pediram desculpas para a equipe, para o Rodrigo. A certidão de nascimento do Bicho de Sete Cabeças foi no Festival de Brasília e, como todo parto, cheio de dor, mas, também, com muito amor e felicidade”, compara Laís, que saiu da 33ª edição do Festival com os prêmios de melhor Filme, Direção, Fotografia, ator coadjuvante (Gero Camilo) e ator (Rodrigo Santoro). “Foi um marco, de fato, na carreira do filme e, óbvio, na minha carreira”, admite.

Marcado para sempre

Experiência marcante também seria para o diretor baiano André Luiz Oliveira, que começou sua história com o Festival de Brasília aos 21 anos, em 1969, quando sairia sagrado com três prêmios especiais com o polêmico Meteorango Kid – Herói Intergaláctico, entre eles o da Opinião Pública.

O curioso é que o filme foi inscrito na mostra à revelia do jovem cineasta. “Eu não escolhi, nem o inscrevi no Festival de Brasília. Quando dei por mim, o filme já estava sendo exibido no festival e eu presente.  Acho que foi alguém que viu numa sessão histórica no MAM do Rio, semanas antes, e o indicou”, revela.

“A censura na sessão foi absolutamente bizarra e ridícula! Mas a plateia estava se divertindo e vaiando os censores, o filme foi exibido até o final e foi ovacionado”, rememora. Passados mais de cinco décadas da avassaladora estreia em 1969, André Luiz Oliveira, hoje com 72 anos e integrante da Comissão de Seleção do 53º FBCB, avalia o impacto que o Festival de Brasília teve em sua trajetória. “O fato é que eu não estava, minimamente, preparado emocional, intelectual e psiquicamente para receber tamanha carga sobre mim. Só me recuperei, inteiramente, quando fiz Louco Por cinema, uma catarse cinematográfica desse impacto causado pelo Meteoro!”, destaca.

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