Em segundo debate, CE ouve argumentos pró e contra ensino domiciliar

Opiniões divergentes marcaram o segundo debate sobre a eventual regulamentação do ensino domiciliar promovido pela Comissão de Educação (CE) nesta segunda-feira (4). Assim como na primeira audiência pública, a maior parte dos debatedores se posicionou contrária ao Projeto de Lei 1.338/2022, que permite a oferta do chamado homeschooling, por considerarem a medida equivocada do ponto de vista educacional, numa contraposição de família e escola, quando são ambas necessárias. A única debatedora a defender a proposta classificou de “falaciosos” os argumentos dos que se manifestaram contrariamente, salientando que o texto em exame pelos senadores garante proteção e socialização dos alunos e acompanhamento, pelo Estado, dos que estiverem em ensino domiciliar.

O projeto é proveniente da Câmara dos Deputados e tem como relatora a senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO). Foi a segunda audiência pública, de um ciclo de três, que atende a uma série de requerimentos de membros da CE. A reunião foi conduzida pelo presidente da comissão, senador Flávio Arns (PSB-PR), que lembrou que todas as participações nos debates ficam disponíveis na página oficial do Senado.

— Todos precisamos nos inteirar dessa prática, no dia a dia, e responder a todos os questionamentos. Precisamos entender todo o contexto e sugiro que os nossos debatedores nos enviem convites para eventos na área para que os senadores possam tomar conhecimento e participar.

Educação inclusiva

Coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda mencionou nota técnica elaborada pela organização, com 14 pontos que embasam a posição contrária à medida. Ela disse que a educação inclusiva é um direito de todos e, por isso, as crianças devem estar nas escolas e em processo de socialização. Andressa Pellanda destacou que o Estado é responsável pela garantia de direitos, além de ter a obrigação de proteger as crianças e adolescentes nas escolas, e que, sem a escola, o poder público não teria como defender quem estuda em casa de eventuais casos de violência ou abuso.

— Na educação domiciliar, a responsabilidade fica muito mais sobre o estudante do que sobre a estrutura que garante um corpo de profissionais dedicados em várias áreas. Educação domiciliar traz privatizações que vão desde tirar a criança do espaço público à imposição de interesses mercadológicos. O modelo educacional deve ser escolha das famílias, ou seja, a gente já permite que essa opção aconteça. Essa agenda [do homeschooling] tem tomado muito mais lugar do que deveria.

“Erro conceitual”

Ex-presidente da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae), Romualdo Portela de Oliveira classificou de equivocado o conceito geral de “família contra escola” e avaliou como fundamental a convivência dos menores com adultos, como os professores, para a formação do caráter. O debatedor frisou que o estado tem o dever de garantir o direito à educação e à segurança na escola e considerou a ideia da educação domiciliar um privador da vivência em sociedade. Para Oliveira, o homeschooling leva os estudantes a não conviverem com o diferente e a não serem habilitados na cultura do respeito com os diferentes modos de encarar a vida.

— Nessa perspectiva, a educação domiciliar é uma privação de direitos. É inapropriado a gente autorizar essa metodologia — declarou.

“Desorganizador do sistema”

Secretária-executiva da Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação, Bárbara Lopes considerou o projeto um potencial desorganizador do sistema nacional de educação. Ela afirmou que o papel agregador da escola vem sofrendo ataques e perseguição por quem defende o ensino domiciliar. E disse que tem se empenhado para fortalecer a atuação dos educadores verdadeiramente comprometidos com uma educação que supere as desigualdades. Bárbara Lopes ressaltou que o direito à educação pública, constante na Constituição, faz parte de um objetivo amplo de se construir uma sociedade menos desigual.

— Vemos com preocupação a possibilidade de regulação do ensino domiciliar, já que a medida prejudica a construção de uma sociedade mais justa. Educação domiciliar pode resultar em controle disciplinar dos corpos quando, por exemplo, pais decidem que suas filhas não podem conviver com meninos. Segrega estudantes, enfraquece o caráter público da educação, bem como a democratização da convivência.

Criança com deficiência

Coautora do projeto “Eu me protejo”, Patrícia Almeida defendeu o ensino na escola, inclusive para crianças com deficiência. Segundo a debatedora, é fundamental se ensinar o respeito em todas as faixas etárias e deixar os estudantes saírem de casa para que eles aprendam a conviver com o diferente.

— Enquanto pais de crianças com deficiência, achamos que o Estado deve estar preparado para tornar aquela criança preparada para explorar todo o seu potencial. Criança com autismo [por exemplo] tem o mesmo direito de acesso ao que todas as demais têm, e a gente não pode abrir mão da escola regular para todos. Precisamos impedir que a criança seja monopólio da família. Ensino em casa não é melhor porque é na escola que crianças aprendem a conviver e a construir a sociedade independente que desejamos conquistar.

“Falácia”

Representante da Associação de Famílias Educadoras do Distrito Federal (Fameduc), Isabelle Cristina Monteiro disse conhecer as realidades das escolas e das famílias educadoras e considerou a ausência de socialização, apontada pelos demais participantes do debate, um “jogo semântico e uma falácia” de quem não conhece os fatos. Para ela, o Projeto de Lei 1.338/2022 contém dispositivos com objetivo de asseguar segurança, proteção e socialização às crianças e adolescentes que estudam em casa.

— A família é trazida em primeiro lugar, à frente da sociedade e do Estado. É no seio da família que a criança é um ser individualizado, totalmente amado, que tem suas potencialidades e dificuldades totalmente conhecidas, e que não representa apenas um CPF, como é para o Estado.

Isabelle lamentou o fato de o número de convidados contrários à proposta ter sido muito superior na audiência desta segunda-feira. Ao afirmar que houve uma “discrepância”, a debatedora apelou para que os parlamentares aprovem a regulação do ensino em casa.

— Não foram garantidos os espaços, como garante a democracia. Faço um apelo aos nobres senadores para que deixem de lado comentários falaciosos que têm criminalizado pais e votem ‘sim’ pelo ensino domiciliar. O homeschooling é imparável — disse Isabelle Monteiro.

Convidados

Flávio Arns concordou que somente Isabelle Monteiro foi ouvida como debatedora favorável à matéria nesta segunda-feira, mas avaliou que ela “argumentou muito bem”. Ele esclareceu que todos os convidados sugeridos pelos demais senadores são chamados e disse que nenhum parlamentar jamais apresentou qualquer tipo de objeção:

— Só para a gente entender a dinâmica das audiências públicas, eu li todos os requerimentos aprovados na Comissão de Educação e todos os senadores têm ampla liberdade de sugerir os nomes, entidades e instituições. Todos os nobres sugeridos por senadores como Izalci Lucas [PSDB-DF], Marcelo Castro [MDB-PI], Professora Dorinha [União-TO], Teresa Leitão [PT-PE], foram aprovados e, de fato, deveria haver aqui mais nomes que falassem a favor. Vamos observar esse ponto levantado, nas próximas reuniões, mas vale ressaltar que nunca colocamos objeções — explicou Arns.

e-Cidadania

Internautas de vários estados participaram do debate, por meio de perguntas e comentários enviados ao canal e-Cidadania, do Senado. Para Carlos Alexandre Torri Varela, do Distrito Federal, ensino escolar deve ser direito, não obrigação. Ele escreveu que, assim como a família tem a responsabilidade sobre a criança, deve ter também o direito à escolha.

Na opinião da internauta Betania Santos, da Bahia, a educação domiciliar deve surgir como proposta complementar à educação regular, nos casos em que as crianças não possam estar na escola.

Lais de Alencar, do Rio de Janeiro, disse que o ensino domiciliar na educação fundamental tira a oportunidade de socialização e de descoberta de diferentes visões de mundo às crianças.

De São Paulo, Nelise Nogueira Olmo publicou ser contrária à educação domiciliar, “pois na escola se aprende muito mais; a não ser que o aluno tenha alguma deficiência em se locomover”.

Já o internauta Sergio Ricardo Boer, também de São Paulo, defendeu que seja escolha dos pais o ensino público, privado ou domiciliar. “Não queremos obrigação, mas a opção que nos está sendo subtraída”, escreveu.

Participou do debate também a vice-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Marlei Fernandes de Carvalho.

Fonte: Agência Senado

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