Dentro da mente de um antivacina: o que faz alguém desconfiar da ciência?

Há quem aguarde, ansiosamente, que uma vacina imunizante consiga passar por todos os testes, chegue o mais rápido possível e nos proteja contra o novo coronavírus. No entanto, esse não é um desejo absoluto. Tem gente que acredita, veementemente, que a vacina, além de não imunizar contra as doenças, ainda coloca a saúde em risco.

A rejeição da ciência em tempos de excessos de informação parece estranha, mas pode ser explicada justamente por isso. Especialistas afirmam que os apoiadores do movimento antivacina não se atentam para a ciência em si, mas para uma desinformação difundida, diariamente, pelos mais diversos meios de comunicação, sem respaldo científico. São as fake news da  saúde, que obrigaram o próprio Ministério de Saúde criar um serviço para combatê-las.

Mas não é só culpa da internet. De acordo com Victor Bigelli de Carvalho, médico psiquiatra pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), uma teoria plausível é atribuir esse comportamento negacionista ao medo daquilo que é novo. “No caso da covid-19, o medo faz criarmos ilusões de que há algo obscuro ou geopolítico por trás da vacina. Acham que ela é invenção de um plano diabólico chinês de conquistar o mundo. É a mesma coisa que acreditar que um gato preto dá azar ou que devemos sair à caça de novas bruxas. Medo e ignorância geram campos férteis para imaginação”, diz ele.

Segundo o psiquiatra, justamente pelo avanço da ciência e da medicina, pensamentos assim são um retrocesso: “Não temos mais apenas o conhecimento da Idade Média, já evoluímos bem e não devemos voltar sete casas”.

História reflete incredulidade

Para chegar onde chegou, a ciência sofreu com o ceticismo humano. Quando Copérnico apresentou a hipótese de que sol era o centro do universo, todos acharam estranho e se opuseram —era um desafio às crenças religiosas e culturais de uma sociedade antropocêntrica (forma de pensamento que atribui ao ser humano uma posição de centralidade em relação a todo o universo).

Logo depois veio Galileu Galilei. Com seu ainda rudimentar telescópio, se comparado às tecnologias de hoje, observou que o sol de fato poderia ser o centro, sobre o qual a Terra girava. Galileu foi acusado de cometer heresia pela igreja católica e morreu esquecido. A maioria não acreditou em sua teoria, mas ele estava certo, e hoje é considerado um dos pais das ciências naturais modernas.

Infelizmente, a desconfiança na ciência permaneceu ao longo do tempo. Os terraplanistas, que negam o formato esférico da Terra (sim, o mesmo pensamento da época de Copérnico), são um exemplo, assim como as pessoas que são contra as vacinas.

E o Brasil não está por fora desse fenômeno global. Um levantamento feito pelo Pew Research Center, um centro de pesquisa americano, mostrou que 36% dos brasileiros dizem ter pouca ou nenhuma confiança em pesquisadores científicos. Publicada no dia 29 de setembro, a pesquisa foi feita antes do início da pandemia.

Pensamentos intrusivos

O psiquiatra Victor Bigelli de Carvalho explica o movimento antivacina pelo medo do novo. Mas outra hipótese é que algumas pessoas escolhem lidar com dificuldades e problemas apenas negando a existência deles.

Na psicanálise, essa teoria é chamada de “mecanismos de defesa do ego”. Segundo ela, mesmo com uma doença letal, algumas pessoas alegam que nada está acontecendo, ou seja, defendem o ego e expõem o corpo. Se eu nego que a doença existe, para que preciso de vacina?

Os pensamentos ou imagens que vêm à cabeça de uma forma incontrolável são chamados de intrusivos. Todas as pessoas já lidaram com esses pensamentos de alguma forma, a diferença é a intensidade com que eles se manifestam. Uns conseguem controlar bem, outros não.

“Quando esses pensamentos são estritamente negativos, essa experiência pode estar vinculada a algum medo individual que reside na vida da pessoa, talvez em alguma vivência atual ou do passado, em algo que a pessoa tenha visto”, comenta Elaine Di Sarno, psicóloga, especialista em neuropsicologia e em terapia cognitiva-comportamental pelo IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Di Sarvo avalia que é importante questionar e até reinterpretar os próprios pensamentos. “Quem tem pensamentos intrusivos costuma sempre esperar que coisas ruins aconteçam, desconfia das pessoas, até mesmo daquelas que são próximas e queridas, e tende a ser inquieto e impaciente”.

Nesse contexto, pode ser difícil que alguém antivacina controle seus pensamentos, mesmo em relação àquilo que é comprovadamente seguro. “Algumas pessoas são mais flexíveis e conseguem corrigir a rota, outras têm uma estrutura de pensamento mais fechada ou ignorante e terão dificuldade em mudar de ideia, mesmo que todas as evidências apontem ao contrário”, diz Carvalho.

Preocupação faz sentido, fanatismo não Uma vacina pode ser composta por proteínas, vírus morto (inativado) ou vivo (atenuado) e de material genético. Por isso, é normal que haja certa preocupação em relação à segurança e eficácia.

Jean Pierre Schatzmann Peron, imunologista e professor da USP (Universidade de São Paulo), afirma que a preocupação faz sentido, porque as pessoas ouvem falar de efeitos adversos e até de morte. Entretanto, trata-se de uma porcentagem extremamente baixa.

O tempo de desenvolvimento também preocupa —o que normalmente levaria 10 anos, agora, a perspectiva é que leve pouco mais de um, no caso da vacina contra o Sars-Cov-2.

De qualquer forma, o especialista avalia que qualquer movimento antivacina foge totalmente daquilo que é aceitável, sobretudo no atual cenário mundial. “São retratos do que as pessoas não entendem como as vacinas funcionam. E não existe liberdade dentro da ignorância”, afirma Peron.

O imunologista levanta duas teorias sobre o movimento: “Ou é uma preguiça de as pessoas se instruírem ou é uma espécie de ‘populismo’. Porque, na verdade, o que elas querem é ter páginas nas redes sociais com milhares de pessoas para ficarem falando mal das vacinas”.

O movimento é articulado

Embora esteja hoje no centro das atenções, o movimento antivacina existe há muito tempo, mas antes era de uma forma mais discreta.

Para Vitor Barletta Machado, sociólogo e professor da Faculdade de Ciências Sociais da PUC-Campinas (Pontifícia Universidade Católica de Campinas), o movimento se tornou generalizado e articulado, isto é, que não se restringe a apenas uma classe social e que pode ser encontrado facilmente na maioria das redes sociais.

“O que acontece é a substituição da ciência por um conhecimento ruim. A desinformação se disfarça de argumentos científicos, de ciência. E a maioria das pessoas não tem condições de avaliar esse tipo de informação”, diz Machado.

Os especialistas concordam que os antivacina sofrem apenas de falta de conhecimento e difundem teorias de conspiração e informações falsas que podem se espalhar mais rápido que os próprios vírus.

“Não é um problema de saúde mental, mas pode se tornar um problema de saúde pública. Lembre-se de que, se você se vangloria de nunca ter tomado vacina e nunca ficar doente, é porque milhões de pessoas sensatas, inteligentes, conscientes da história e empáticas com os outros tomaram por você”, diz Carvalho.

Fonte: Uol/Viva Bem

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